quinta-feira, 23 de maio de 2013

Conto do Fantastiverso: Capítulo 3


 Para quem está acompanhando nosso megaconto, segue mais um capítulo. Enjoy it!


"Sete autores. 
Sete livros. 
Uma história."

Sinopse: O anjo caído Samael está reunindo um exército composto de criaturas sobrenaturais. Os anjos tentarão impedi-lo. Mas descobrirão que o único sentimento mais forte que a vingança é o amor...



Capítulo 3

Eu podia sentir o seu medo. O seu chamado silencioso ecoando em minha mente enquanto eu disparava à sua procura, com todos os meus sentidos vampirescos em alerta. Algo estava errado, muito errado. E tudo o que conseguia pensar naquele momento era em Ceci. Em protegê-la. Nem mesmo meu amor por Aaron conseguia suplantar o desejo de encontrar e salvar aquela criança.
À minha volta, o silêncio era ainda mais assustador. E enquanto eu corria em direção aos quartos das crianças, tentava absorver o máximo de informações possíveis na esperança de descobrir o que estava acontecendo. Porém, os únicos cheiros que captava com meus sentidos aguçados eram ainda os mesmos de antes. Não obstante, havia algo mais, eu também podia sentir um terrível e conhecido odor se espalhando pelo ar, empesteando-o... O horrível cheiro da morte.
— Ceci! — sussurrei, ao entrar em seu quarto. Temendo que se falasse seu nome alto demais, pudesse colocá-la em perigo.
As luzes estavam apagadas e sua cama encontrava-se revirada e vazia. E ao ver aquela cena, senti como se dedos gelados e implacáveis estivessem se fechando em torno do meu coração. Um calafrio percorrera minha espinha. Desesperada e atordoada, eu direciono minha atenção para o guarda roupas e corro até ele, apreensiva. E sem pensar duas vezes, rapidamente abro as portas. A menina salta em meus braços, assustada e tremendo de medo.
— O que foi? O que aconteceu? — eu pergunto, erguendo-a em meu colo, mas ela nada diz. Estava em total estado de pânico. — O que foi? — eu volto a perguntar.
Mas Ceci estava assustada demais e chorava sem parar. Ela tentara falar, mas não conseguira; as palavras lhe escapavam da boca, embaralhadas e sem sentido.
 — Shhh! — eu lhe fiz sinal para que se acalmasse e a embalei em meus braços tentando reconfortá-la. Porém ao invés disso, eu a vi arregalar seus enormes olhos verdes, e escancarar sua boca, aterrorizada.
— E-eles estão... — ela tenta me alertar.
Algo estava vindo nos pegar. Eu pressenti o perigo às nossas costas, e todo o meu corpo se inundara de adrenalina, à medida que meu sistema nervoso se preparava para reagir. Meu coração começou a martelar contra meu peito; tão forte que eu podia ouvir o meu sangue pulsando em minhas têmporas. Eu precisava salvar Ceci, ela era tudo o que importava naquele momento. Daria a minha vida se preciso fosse para salvá-la. Se ao menos Aaron estivesse ali para me ajudar. Se ao menos eu tivesse lhe avisado que sairia à procura de Ceci, ao invés de deixá-lo desacordado no motel onde nos instalamos, quem sabe agora ele estivesse ao meu lado, protegendo nós duas: eu e essa linda e indefesa garotinha. Mas, ao invés disso, ali estava eu em um dos quartos do abrigo do Padre Miguel com Ceci em meus braços apavorada, e me preparando para enfrentar a presença terrivelmente ameaçadora que se aproximava. Agora não havia mais como voltar atrás, era lutar ou morrer. E eu escolhi lutar. Lutar para salvar Ceci e, principalmente, para voltar para Aaron. Então, resoluta e cheia de coragem, eu me viro com Ceci em meus braços, e encaro nosso destino.
Eu acordei molhada de suor e o silêncio me acolhera. Fora um pesadelo então? Ceci estava bem, afinal. Que alívio, eu pensei, respirando fundo para recobrar o fôlego.
Eu me levanto e deixo o meu quarto. Toda a Casa das Tochas jaz em um silêncio inquietante, da mesma forma que antes. Apenas barulhos ocasionais de louça, oriundos da cozinha, chegam aos meus ouvidos. Mas, fora isso, o silêncio impera incólume em toda a residência; perturbador e asfixiante.
Aaron me deixara sozinha e saíra com Nestor e os outros vampiros, na esperança de descobrir o que Stéfano e seus comparsas estavam tramando. E eu fiquei para proteger Ceci e me recuperar dos traumas recentes que sofri quando saí em busca de resgatar a menina. Mas valeu a pena, faria tudo de novo, se assim fosse preciso. Apesar de todos os riscos e de quase ter matado a nós duas.
Enquanto caminhava pela casa, fui, aos poucos, me dando conta de que não estava mais na Casa das Tochas, e sim na Casa de Campo — a luxuosa e alternativa morada de Aaron e seu covil de vampiros. Uma terrível angústia se apoderara de todo o meu ser quando pensei no quanto aquela residência significava para ele. No quanto ele gostava de morar lá. E então, repentinamente e sem que fossem convidadas, lágrimas começaram a brotar em meus olhos e escorreram quentes, sobre minhas bochechas. E eu ainda tentava afastá-las quando ouvi um súbito farfalhar semelhante ao bater das asas de uma ave. Porém, muito mais intenso, como se oriundo de enormes ou gigantescas asas. O que me deixou intrigada.
O som da campainha tocando obrigou-me a me recobrar do meu torpor e eu direcionei minha atenção à porta, para onde me encaminhei a fim de descobrir quem era o nosso convidado. E qual não foi a minha surpresa ao ver que se tratava de um homem alto, de cabelos e olhos escuros, penetrantes, e semblante austero.
— Pois não — disse, erguendo uma sobrancelha para ele —, posso ajudá-lo?
— Eu posso entrar?
— Claro — assenti, relutante, enquanto me afastava para que ele entrasse. — Por favor.
— Obrigado — ele responde já se encaminhando para dentro da sala. Porém, ao passar por mim, eu senti uma vibração percorrer todo o meu sistema nervoso. Um instinto tão primitivo quanto o próprio tempo se ativara, fazendo um arrepio de frio percorrer a minha espinha e eriçar meus pelos.
Havia algo muito errado com aquele homem, ou aquela criatura. Pois, fosse ele o que fosse, de uma coisa eu tinha certeza: ele não era humano. Como eu logo descobriria.
— Então, quer tomar alguma coisa, uma água, um café talvez.
— Ruby... — ele dissera, sorrindo com um canto da boca. — Eu sei que você já sacou que eu não sou humano, então, acho que podemos pular essa parte.
Eu senti o sangue subindo através de meu pescoço e minhas bochechas se aquecendo. Além de um completo estranho, nosso visitante era também, muito ousado.
 — Certo — disse —, nesse caso, quem é você e o que veio fazer aqui?
— Eu vou ser curto e grosso, Ruby — ele respondeu. — O meu nome é Samael e eu vim para falar com o seu líder, o Aaron. Será que você pode me fazer o favor de ir chamá-lo?
Surpresa, eu aperto os meus olhos para ele, e então respondo: — Você vem até a minha casa e acha que pode me dar ordens? Eu ao menos te conheço? Por que, sinceramente, eu não me lembro de já tê-lo visto antes.
Ele sorri provocadoramente e responde: — Será por que nós nunca fomos apresentados?
— Agora chega, sai da minha casa agora, antes que eu perca a minha paciência. E querido... Acredite em mim quando eu digo — sinto minhas feições tornando-se ameaçadoras, a besta dentro de mim ansiando por emergir, e falo pausadamente: — você não vai querer me ver brava.
Em resposta, Samael gargalha debochadamente e se aproxima de mim.
— Ok, Ruby. Foi um prazer falar com você... Brincar com você. Agora, será que pode me chamar o seu líder? Minha conversa só diz respeito a ele.
Eu senti o sangue me subindo novamente, a raiva aumentando.
— O Aaron não está em casa. Seja lá o que for que tem pra falar com ele, pode tratar comigo mesma.
Samael gargalha novamente com escárnio.
— Com você?
— Qual é a graça? Você não tem educação não? Seus pais não te ensinaram a ter respeito pelas pessoas?
Em resposta, o semblante dele se obscurece e duas imensas asas cinzentas emergem em suas costas.
— Ruby, você não faz a menor ideia das forças que estão em movimento nesse momento no tabuleiro. Então, como disse, eu não vou perder o meu tempo discutindo assuntos, ou coisas de extrema importância, com você.
O anjo caído me vira as costas e afasta-se em direção à saída.
— Eu não serei ignorada dessa maneira! — bradei, e usando minha velocidade vampiresca atravesso na frente do anjo. — Você vai falar comigo de qualquer maneira agora.
— Saia da minha frente!
— Não!
— Não me obrigue a forçá-la — avisa ele, seus lábios comprimindo-se para formar apenas uma linha levemente avermelhada.
— Eu já fui considerada uma rainha, não serei humilhada dessa forma!
— Você se acha realmente especial, não é? — ele caçoa. — Deve ser por conta desse seu sangue amaldiçoado que corre em suas veias e que permite que um monstro como você perambule por aí em pleno dia.
Quando dera por mim, meu punho já o havia arremessado para longe, pegando-o de surpresa.
— Sua vadia! — exclama ele —, como você ousa? — seu rosto tornara-se uma máscara obscura.
O anjo partira para cima de mim, mas eu rapidamente desviei de seus ataques. Seus socos encontravam apenas as paredes e o assoalho, o que fora aos poucos, destruindo toda a mobília da sala e os quadros que até ainda pouco, ornamentavam as paredes da sala.
— Não pode me pegar — eu provoquei —, mas eu sim. — eu rapidamente me posicionei atrás dele e agarrei suas asas, impedindo-o de voar.
— Há, acha que basta isso para me conter? — ele interroga — Eu era um comandante celestial, sua rameira.
Meus sentidos ainda tentaram me alertar, porém já era tarde demais. Poderosas rajadas de energia se dispersaram do corpo do anjo e me atingiram, não uma, mais várias, centenas de vezes, enquanto meu corpo era projetado para longe, só se detendo ao se chocar contra o teto para, em seguida, se esborrachar no chão.
— Nunca mais ouse me desafiar novamente vampira, ou então, eu não serei tão misericordioso quanto hoje — ele me alerta.
— Não! — eu exclamei, furiosa —, eu nunca mais o desafiarei novamente... — pois eu vou matá-lo! — Novamente eu me lancei contra o ex-celestial e novamente fui barrada em pleno ar.
Energias incandescentes crepitavam de seus dedos, paralisando todos os meus músculos, e impedindo que eu me movesse. Não conseguia pensar direito também, pois havia a voz... A voz dele estava dentro de minha cabeça, me sussurrando coisas, relatando terríveis verdades primitivas que ninguém deveria ter ciência, pois estavam além do conhecimento humano, bem como do meu.
Subitamente, enquanto o anjo me torturava, uma corrente de ar gelada começou a circular ao nosso redor. Sua força foi gradativamente aumentando e o anjo desviou sua atenção de mim para se voltar para uma garotinha que se aproximava de nós com os braços levemente erguidos ao lado do corpo e recitando palavras, preces em uma língua que eu jamais havia ouvido antes. E seus olhos... Os olhos dela brilhavam, incandescentes em meio ao transe. O que Ceci estava fazendo?
— Ceci não... — eu gritei para ela, em alerta — Saia daqui agora.
A menina não me ouviu e continuou falando no mesmo dialeto estranho, detendo-se a alguns metros de mim, que ainda estava sob a influência de Samael.
— Sai da minha cabeça, bruxa! — eu ouvi o anjo gritar pra Ceci.
Ao invés disso, ela erguera os braços e a ventania se transformou em um ciclone no meio da sala, arrastando tudo em seu caminho, relâmpagos atravessaram o corpo de Samael e ele gritou em agonia, finalmente me soltando.
— Ceci, pare! — eu gritei novamente, tentando despertá-la do transe. Contudo, ela mantivera seu ataque, os olhos ardendo em uma fúria desmedida, vidrados.
Samael continuava gritando, seu corpo se transformando em um facho de luz, que aos poucos foi se desintegrando, até desaparecer em meio a um clarão luminoso. Só então os olhos de Ceci se apagaram e seu corpo diminuto caíra ao chão, desfalecido. Eu corri até ela e a peguei em meus braços.
— Ceci — disse —, acorda!
Com esforço, ela abre seus imensos olhos verdes para me encarar, como se acordando de um sonho.
— Agora estamos quites — ela diz com sua voz infantil.
— Quites?
— É, você me salvou dos homens maus e agora eu salvei você daquele demônio.
— Como você fez aquilo? Poderia ter morrido.
— Eu precisava salvar você, então entrei na mente dele e conjurei aquele encantamento. Estava tudo lá, na cabeça dele.
— Nunca mais faça isso de novo, está me ouvindo? Nunca mais.
Ela nada dissera, apenas me abraçara com força. E naquela hora, só Deus poderia saber o quanto isso bastava. Eu mais uma vez agira por impulso e coloquei não apenas a minha, mas também a vida dela em perigo. E, por motivos desconhecidos, quis o destino que fosse a própria Ceci a salvar nossas vidas dessa vez. Aaron logo mais chegaria e eu muito teria que explicar a ele, bem como enfrentar a desconfiança e o repúdio de Nestor também. Mas, em face do que acabara de acontecer, eu consideraria isso um bônus; uma punição por novamente me deixar levar pela raiva e não pela razão. Afinal, o que poderia o ancião e mentor de meu amado fazer, que eu já não tivesse lidado antes?

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